A essência do dinheiro não consiste primeiramente em que nele a propriedade se exterioriza, mas em alienar a atividade mediadora, o movimento ou o ato humano e social, através do qual os produtos do homem se completam reciprocamente; assim se tornam a qualidade de uma coisa material exterior ao homem, qualidade do dinheiro. Quando alheia essa própria atividade mediadora, o homem é ativo apenas como homem desumano que se perdeu de si mesmo; o próprio relacionamento das coisas, a operação humana com elas converte-se numa operação de um ser exterior ao homem e além do homem. Este mediador estranho faz com que o homem — em lugar de ser o próprio mediador do homem, — veja sua vontade, sua atividade, sua relação com os outros como um poder independente dele. Sua escravidão alcança então seu ponto mais alto. É evidente que esse mediador se converte no deus efetivo, pois o mediador é o poder efetivo sobre aquilo com que ele me mediatiza. Seu culto passa então a ter um fim em si mesmo. Os objetos, separados deste mediador, perderam seu valor. Portanto, somente tem valor enquanto eles o representam, quando originariamente parecia que ele tinha valor enquanto ele os representasse. Esta inversão da relação primitiva é necessária. Este mediador é portanto a essência alienada da propriedade privada que se perdeu a si mesma, a propriedade privada alheada que se tornou externa a si mesma, assim como ele (o mediador) é a mediação alheada da produção humana com a produção humana, a atividade genérica do homem alheado. Todas as qualidades que lhe advêm na produção dessa atividade são transferidas pois para este mediador. O homem torna-se assim tanto mais pobre como homem, isto é, separado deste mediador, quanto mais rico esse mediador.
Deste modo o dinheiro representa primitivamente segundo seu conceito: 1 — a propriedade privada para a propriedade privada; 2 — a sociedade para a propriedade privada; .3 — a propriedade privada para a sociedade.
Por que a propriedade deve adquirir a forma monetária? Porque o homem como ser sociável deve chegar até a troca e esta sob a pressuposição da propriedade privada deve chegar à forma do valor. O movimento mediador do homem que troca não é um movimento social e humano, não é uma relação humana, e a relação abstrata da propriedade privada à propriedade privada e esta relação abstrata constitui o valor, cuja existência efetiva como valor é o dinheiro. Já que os homens que trocam não se relacionam uns aos outros como homens, a coisa perde então o sentido de uma propriedade humana e pessoal. A relação social de propriedade privada à propriedade privada é já uma relação no interior da qual a propriedade privada se alienou. A existência para si dessa relação, o dinheiro, é por isso a alienação da propriedade privada, a abstração de sua natureza específica e pessoal.
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“A troca tanto da atividade humana no interior da produção quanto dos produtos humanos entre si é igual à atividade genérica e ao espírito genérico cuja existência verdadeira, efetiva e consciente é a atividade social e o desfrute social. Já que a essência humana cria assim a verdadeira coletividade (Gemeinwesen) do homem, os homens produzem por intermédio do cumprimento de sua essência, a coletividade humana, o ser (Wesen) social que não é um poder abstrato universal em oposição ao indivíduo isolado, mas a essência de cada indivíduo, sua própria atividade, sua própria vida, seu próprio espírito, sua própria riqueza. Não é através da reflexão que nasce aquele verdadeiro ser comunitário, nasce através da penúria e do egoísmo dos indivíduos, isto é, produz-se imediatamente através do exercício de sua própria existência. Não depende do homem que exista ou não esta coletividade, mas enquanto o homem não se reconheça como homem e com isso tenha organizado o mundo humanamente, a coletividade aparece sob a forma da alienação. Porquanto seu sujeito, o homem é um ser auto-alienado. Os homens, não como abstração mas como indivíduos particulares reais e vivos, são esta essência. E como eles são, assim é ela. Por conseguinte, é a mesma expressão dizer que o homem se aliena e que a sociedade desses homens alienados é a caricatura de sua coletividade real, de sua verdadeira vida genérica
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... a economia política compreende a coletividade humana, sua essência humana que se comprova a si mesma, sua mútua complementação sob a forma da troca e do comércio da qual nasce a vida genérica e a vida humana autêntica.
A economia política — como o movimento real — parte da relação de homem a homem como sendo a de proprietário individual a proprietário individual (Privateingentümer). Se o homem é pressuposto como proprietário individual, isto é, como possuidor exclusivo que confirma sua personalidade através dessa posse exclusiva e por esta se diferencia dos outros homens assim como se relaciona com ela — a propriedade privada e sua existência pessoal marcante e por isso essencial —; então a perda ou a concessão da propriedade privada é alheamento tanto do homem como da própria propriedade privada. Consideremos apenas esta última determinação. Se transfiro para outrem minha propriedade privada então esta deixa de ser minha e vem a ser urna coisa independente de mim e fora do meu âmbito, isto é, urna coisa que me é exterior. Alieno então minha propriedade privada. Em relação a mim a situo como propriedade privada alheia. Mas a ponho apenas corno coisa em geral alheada e interrompo minha relação pessoal com ela; se apenas a alieno em relação a mim, devolvo-a às forças naturais elementares. No entanto, ela vem a ser propriedade privada alheada somente se ao mesmo tempo deixar de ser minha propriedade sem que por isso deixe de ser propriedade privada em geral, isto é, se passa a manter com outro homem exterior a mim a mesma relação em que eu mesmo estou, em outras palavras, ela se tornou propriedade privada de outrem. Excetuando o caso de força, como chego a alienar a outrem minha propriedade privada? A economia politica responde corretamente: por causa da penúria e do carecimento. O outro também é proprietário mas de outra coisa de que careço e de que não posso nem quero carecer, mas que parece satisfazer uma necessidade da minha existência e realizar minha essência.
A natureza espeíifica do objeto, que constitui a matéria de sua propriedade privada, é o vínculo a interrelacionar ambos os proprietários individuais. A nostalgia desses dois objetos, isto é, o carecimento deles, mostra aos proprietários e lhes traz à consciência que cada um além da propriedade privada ainda mantém, uma outra relação essencial com os objetos, que ele não é o ser particular que se crê mas o ser total cujo carecimento está também em relação de propriedade interior com a produção de. trabalho de outrem — pois o carecimento de uma coisa é a prova mais evidente e irrefutável de que a coisa pertence ao meu ser, que seu ser para mim, a sua propriedade é a propriedade, a qualidade de meu ser. Ambos os proprietários são portanto levados a desistirem de suas propriedades mas de tal modo que concomitantemente confirmam a propriedade privada, ou desistem da propriedade privada no interior da relação de propriedade privada. Cada uso portanto aliena uma parte de sua propriedade privada ao outro.
O relacionamento social ou a relação social dos dois proprietários colocou pois a reciprocidade do alheamento, a relação de alheamento de ambos es lados, ou o alheamento como relação de ambos os proprietários, enquanto na propriedade privada simples ocorre apenas o alheamento unilateral no que respeita a si mesmo.
A troca ou o intercâmbio comercial é pois o ato social e genérico, a coletividade, o tráfico social e a integração do homem no interior da propriedade privada e por isso o ato genérico exterior e alheado. Daí aparecer como intercâmbio comercial e ser o contrário de uma relação social.
Por intermédio do alheamento mútuo ou da alienação da propriedade privada a própria propriedade privada alcançou a determinação de propriedade privada alheada. Pois em primeiro lugar deixou de ser produto do trabalho, de ser a notável e exclusiva manifestação da personalidade de seu possuidor por este tê-la alienado, e adquiriu uma significação para quem não a produziu. Perdeu pois sua significação pessoal para seu possuidor. Em segundo, foi relacionada a outra propriedade privada que lhe é equivalente. Em seu lugar aparece outra propriedade de outra natureza, assim como ocupa lugar de uma propriedade privada de outra natureza. De ambos os lados aparece pois a propriedade privada como representante de uma propriedade privada de outra natureza, como o igual (lis das “Gleiche”) de um outro produto natural e ambos os lados se relacionam mutuamente de um modo tal que um representa a existência de outro e ambos reciprocamente se relacionam como substitutos de si mesmos e de seu outro. A existência da propriedade privada como tal converteu-se então em substituto, em equivalente. Em vez de sua unidade imediata consigo mesma, ela agora é somente como relacionamento a um outro. Como equivalente sua existência não é mais o que lhe é peculiar, convertendo-se por isso em valor e imediatamente em valor de troca. Sua existência como valor é diferente da imediata, é exterior ao seu ser específico, é uma determinação alheada dela mesma, é apenas uma existência relativa.
A matéria pela qual um valor é determinado assim como a maneira pela qual se rama preço será explicada noutra parte .
Suposta a relação de troca, o trabalho torna-se trabalho aquisitivo imediato. Esta relação do trabalho alienado atinge seu máximo quando: 1 — da parte do trabalho aquisitivo, o produto do trabalho não está em relação imediata com seu carecimento e com a determinação de seu trabalho, mas é determinado dos dois lados por combinações sociais estranhas ao trabalhador; 2 — aquele que compra o produto não é ele mesmo produtor mas troca o que outros produzem. Naquela forma elementar de propriedade privada alheada, o intercâmbio comercial, cada um dos dois proprietários individuais havia produzido aquilo a que seu carecimento e suas disposições imediatas, assim como o material natural existente o haviam conduzido. Cada um troca portanto o excesso de produção pelo trabalho do outro. Embora o trabalho fosse a fonte de sua subsistência imediata era também a confirmação de sua existência individual. Através da troca de seu trabalho torna-se parcialmente fonte de aquisição. Sua finalidade e sua existência divergem. O produto é produzido como valor, como valor de troca, como equivalente não mais em vista de sua relação imediata e pessoal com o produtor. Quanto mais complexa a produção se torna, quanto mais complexos portanto os carecimentos, tanto mais complexas serão as operações dos produtores e tanto mais próximo está seu trabalho da categoria de trabalho aquisitivo até que finalmente só lhe resta essa dimensão e torna-se acidental e inessencial o produtor estar numa relação de desfrute imediato e de carecimento pessoal com seu produto ou se sua atividade, a ação do próprio trabalho apraz à sua personalidade, se é a realização de suas disposições naturais e de finalidades espirituais.
(...)
O homem – esta é a pressuposição básica da propriedade privada – apenas produz para ter . Ter é o objetivo da produção . E essa não possui apenas um significado utilitário , pois tem uma finalidade egoísta; o homem produz apenas para ter para si próprio , o objeto de sua produção é a objetivação de se carecimento imediato e egoísta. O homem para si , em estado de barbárie e de selvageria , tem por isso a medida de sua produção no âmbito de seu carecimento imediato , cujo conteúdo é imediatamente o objeto produzido.
Nesse estado pois não produz mais do que necessita imediatamente . O limite de seu carecimento é limite de sua produção . Oferta e procura coincidem então completamente . Sua produção é medida por seu carecimento. Nesse caso não se verifica a troca ou a troca se reduz à troca de seu trabalho pelo produto de seu trabalho e essa troca é a forma latente (o germe ) da troca verdadeira: tão logo porém a troca se verifique, tem lugar a sobre-produção para além do limite imediato da posse . Essa sobre-produção não consiste em ir além do carecimento egoísta. É antes a maneira mediata de satisfazer um carecimento que não encontra sua objetivação imediatamente nessa produção mas na produção de outrem . A produção se transforma na fonte de aquisição e em trabalho aquisitivo. Enquanto pois na primeira relação o carecimento é a medida da produção , na segunda a produção ou melhor a posse do produto é a medida , até onde os carecimentos se podem satisfazer .
Produzi para mim e não para ti como produziste para ti e não para mim . O resultado de minha produção tem em e para si pouca relação contigo quanto o resultado de tua produção tem relação imediata comigo . Isto é, nossa produção não é produção do homem para o homem como homem , a saber , não é produção social . Nenhum de nós como homem mantém relação de desfrute com o produto de outrem . Enquanto homens portanto não existimos para nossas produções respectivas. Nossa troca não pode pois ser o movimento mediador em que se confirmaria que meu produto seria (para ) ti por ser objetivação de tua própria essência e de teu carecimento. Pois não é a essência humana o vínculo de nossa produção de um para o outro . A troca só pode então movimentar , confirmar o caráter que cada um de nós tem em face de seu próprio produto e, por conseguinte , da produção de outrem . Cada um de nós vê em seu produto apenas seu interesse egoísta próprio objetivado e portanto no produto de outrem outro interesse pessoal independente dele, objetivo e alheio .
No entanto , tu , como homem , possuis uma relação humana com meu produto ; tu careces de meu produto . Ele se apresenta por isso diante de ti como objeto de teu desejo e de tua vontade . Mas teu carecimento, teu desejo , tua vontade são carecimento, desejo e vontade impotentes no que respeita a meu produto . Isto é, tua essência humana , que por ser humana necessariamente mantém um relacionamento interior com minha produção humana , não é o teu poder , a tua propriedade dessa produção , porquanto na minha produção não são reconhecidos nem a peculiaridade (Eigentümlichkeit) nem o poder da essência humana . São ante o elo que te faz dependente de mim , porque te colocam na dependência de meu produto . Longe de serem o meio que te dá poder sobre minha produção são o meio que me dá poder sobre ti.
Se produzo mais do que eu próprio posso imediatamente utilizar do objeto produzido, então minha sobreprodução se calcula e se refina tendo em vista teu carecimento. Aparentemente produzo apenas um excedente desse objeto , mas na verdade produzo outro objeto , o objeto de tua produção o qual penso trocar por esse excedente , uma troca aliás que já realizei no pensamento . A relação social que mantenho contigo : meu trabalho para o teu carecimento, é por isso também mera aparência e nossa complementação recíproca é também mera aparência a que a pilhagem mútua serve de fundamento . A intenção de pilhagem , de logro está necessariamente à espreita , pois nossa troca é uma troca egoísta tanto do meu como de teu lado , porquanto cada interesse pessoal procura ultrapassar o alheio , de modo que necessariamente nos procuramos enganar . A medida de poder que atribuo a meu objeto em relação ao teu requer para tornar-se um poder real o teu carecimento. O mútuo reconhecimento dos poderes respectivos de nossos objetos é porém um combate , e no combate vence quem possui mais enegeria, força , saber e habilidade . Se a força física basta , então te roubo simplesmente . Se terminou o reino da força física , então nos procuramos iludir reciprocamente com aparências , e o mais hábil passa a perna no outro . Para a totalidade da relação é acidental quem leva vantagem sobre o outro . Idealmente , um logra o outro , a saber , cada um segundo seu juízo prejudicou o outro .
A troca é então necessariamente mediatizada de ambos os lados por intermédio do objeto da produção e da posse recíprocas. A relação ideal aos objetos respectivos de nossa produção consiste de fato em nosso carecimento recíproco . A relação real , porém , que se torna real , a relação verdadeira, que se cumpre a si mesma , é apenas a posse exclusiva e recíproca da produção respectiva . O que no teu carecimento de minha coisa confere valor , dignidade , e efeito em mim é somente o teu objeto , o equivalente do meu objeto . Nosso produto mútuo é assim o meio , a mediação, o instrumento , o poder reconhecido de nossos carecimentos mútuos . Tua procura e o equivalente de tua posse possuem portanto a mesma significação, são termos equivalentes para mim , e tua procura somente possui sentido porque tem efeito quando o sentido e a ação me dizem respeito . Como simples homem , tua procura sem este instrumento é um impulso insatisfatório de tua parte , uma idéia que não se concretiza para mim . Como homem tu não manténs pois relação alguma com meu objeto , porque eu mesmo não tenho relação alguma com ele . Mas o meio é o verdadeiro poder sobre o objeto e por isso encaramos mutuamente nosso produto como o poder de um sobre o outro e sobre si mesmo , isto é, nosso próprio produto ergue-se contra nós ; parecia ser nossa propriedade , mas na verdade somos nós a sua propriedade . Estamos excluídos na verdadeira propriedade porque nossa propriedade exclui outro homem .
A única linguagem inteligível que falamos uns com os outros é a dos objetos em seu mútuo relacionamento. Não entenderíamos uma linguagem humana que ficaria sem efeito; de um lado, seria compreendia e sentida como pedido, como súplica e por isso como humilhação e assim seria apresentada com vergonha e com a sensação de aviltamento; de outro lado, seria tomada como descaramento e demência, sendo então descartada. Somos tão alheios reciprocamente ao ser humano que a linguagem imediata desse ser nos parece uma ofensa à dignidade humana e, em compensação, a linguagem alienada dos valores materiais nos parece legítima, autoconfiante, querendo-se dignidade humana.
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Os extratos acima constam como parte integrante da análise de José Arthur Giannotti em Origens da dialética do trabalho (L&PM, Porto Alegre, 1985, ver pp. 151-154, 162-167) e foram traduzidos pelo próprio autor.
Fonte: Antivalor
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